quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ELES TÊM FOME DE QUE?


 Somar criança e alimentação saudável não é conta fácil. Junte a essa equação a tarefa de educar e o desafio de administrar diferenças econômicas, sociais e regionais em um país com jeito de continente e pronto: o resultado é uma receita que parece sempre prestes a desandar. Como ingrediente extra dessa combinação complicada está o fato de que, para muitos estudantes, a escola é um lugar não apenas de saciar a sede de conhecimento, mas também de matar a fome e de contar os minutos para a hora da merenda. Mas, quando o sinal avisa que é hora de recreio, não é raro ver pratos e lancheiras transbordando de sódio, gorduras e açúcar.

O sabor “comida industrializada”, que é ruim para os mal nutridos e péssimo para os gordinhos, começa a ser cultivado já na casa dos estudantes. O resultado aparece claramente nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos está com peso acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Já o número de jovens de 10 a 19 anos com excesso de peso saltou de 3,7 %, em 1970, para 21,7%, em 2009.

Para espantar a ameaça de um Brasil desnutrido, porém obeso, ações públicas estão atraindo a atenção de gestores com o objetivo de mudar o rumo nutricional nas merendas.  É o que afirma o nutricionista Diogo Thimoteo da Cunha, mestre e doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Não há um alimento bom e um ruim, o que é bom ou ruim é a alimentação, o conjunto que compõe nosso hábito alimentar. Uma bala, por exemplo, é rica em açúcar, que é um nutriente, mas não é saudável”, explica o especialista, também gerente do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar, parceria entre o Ministério da Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) e a Unifesp.

Entre as iniciativas adotadas no âmbito público, ele cita o Programa Saúde na Escola (PSE), criado há cinco anos pelos ministérios da Saúde e Educação. O programa tem objetivos amplos, que incluem aspectos da merenda escolar: “é um grande programa que trata não somente da alimentação como de todos os aspectos de saúde do aluno. Por ser bem extenso, não é possível avaliar de forma pontual se ele melhorou hábitos alimentares. Mas, de forma geral, acredito que o Saúde na Escola auxilia o programa de alimentação escolar, favorecendo a educação nutricional e a formação de hábitos alimentares”, avalia o nutricionista.

Fórum de Alimentação Escolar

Não se muda o conceito da merenda escolar da noite para o dia. Por isso, algumas ações surgem com o desafio de traçar um novo caminho. Exemplo disso foi o 8º Fórum Nacional de Alimentação Escolar, ocorrido em maio e organizado pela Federação Nacional das Empresas de Refeições Coletivas (Fenerc). Como resultado, foi produzida uma carta com 15 sugestões para alterar o sistema de alimentação escolar atual. Segundo a federação, o documento será encaminhado a autoridades públicas e privadas do País. Entre as mudanças sugeridas se encontram a redução de publicidade em torno de alimentos “vazios de nutrientes”, além da pressão para que a indústria diminua o uso de sal ou do açúcar como conservantes de alimentos e bebidas, exemplos dos embutidos, caldas e xaropes.

Por trás de todo o esforço está mais que o objetivo imediato de ter estudantes bem nutridos e com peso ideal. Especialistas afirmam que alterar a mentalidade dos jovens é, na verdade, evitar altos gastos com saúde no futuro. “Serão filas e mais filas para tratar a doença, e não o indivíduo. Toda a sociedade precisa ser educada a respeito da necessidade da alimentação saudável, aliada a atividades físicas”, diz a nutricionista da Fenerc, Joana D’Arc Mura, também presidente do Comitê do Fórum de Alimentação Escolar.

A introdução no cardápio de verduras, frutas e alimentos in natura, com baixo índice de sódio, açúcar e gordura, além de mudar o tipo de conservação da comida não deve ter a conotação de gasto para o governo ou para o gestor particular. “Isso é um investimento que traz retorno. Já foi comprovado que investir em saúde reduz custos futuros como internações, remédios, afastamentos do trabalho, entre outros. Sem contar que é papel constitucional do governo garantir à população o direito à alimentação adequada”, reforça o nutricionista Diogo Thimoteo da Cunha.

Terceirizar a merenda pode ser uma saída para um gerenciamento mais controlado da alimentação escolar, seja do ponto de vista financeiro ou qualitativo. Pesquisa feita pelo Ibope e encomendada pelo Grupo de Soluções em Alimentação (GRSA) mostrou que gestores escolares veem vantagem em delegar os serviços de alimentação e aponta que 75% dos entrevistados entendem que a terceirização agiliza os processos. O presidente da Fenerc, Antônio Guimarães, também defende a solução como o melhor caminho para desburocratizar e agregar maior responsabilidade técnica ao sistema.

Do ponto de vista de Diogo, que trabalha com pesquisas de área, assessoria aos municípios e faz monitoramento do FNDE, a terceirização facilita principalmente a contratação de funcionários, mas há também riscos. “Terceirizar o serviço tende a transformar o programa em um comércio, e as refeições em um produto. Logo, as empresas buscam diminuir custos e aumentar lucros, tornando a alimentação algo secundário no contexto escolar. Com isso, o programa pode se afastar de um de seus objetivos, que é a formação de hábitos alimentares saudáveis”, alerta o especialista.

É nessa etapa que entra a mão do administrador escolar.“O importante é que o gestor, caso opte por terceirizar, fiscalize a empresa quanto ao cumprimento do contrato, qualidade das refeições e do serviço prestado. Muitos municípios mantém autogestão da alimentação escolar, com bons benefícios”, avalia o nutricionista.

Novos hábitos

Salgadinhos empacotados eram produtos certos na mochila dos irmãos Mariane, de 10 anos, e Matheus Henrique Nogueira da Silva, de 7. Com a cumplicidade do avô, que paparicava os netos, sempre havia dinheiro para comidinhas ricas em sal e gordura. Mas há um ano essa rotina mudou: no lugar das “besteiras”, as crianças passaram a se alimentar mais de frutas e verduras.

Foi uma das consequências do Programa Saúde Total na Escola, implantado emmeados de 2011 pela Prefeitura de Taboão da Serra (SP), onde Mariane e Matheus estudam. “Após a constatação visual de excesso de peso de algumas crianças, percebemos a necessidade de uma pesquisa de abrangência municipal com indicadores reais sobre crescimento saudável de nossos alunos, medindo peso, estatura e Índice de Massa Corporal (IMC)”, explica o secretário de Educação de Taboão da Serra, José Marcos dos Santos.

Ele conta que 30% das 18 mil crianças avaliadas no ano passado estavam acima ou abaixo do peso ideal. Já este ano, espera-se que o índice caia para 25% dos 25 mil estudantes avaliados. Para atingir a meta, a secretaria investiu recursos financeiros e humanos. “A alimentação saudável virou pauta nos bancos escolares. Os alunos são estimulados a refletir sobre a importância de uma boa alimentação. As escolas também são estimuladas a usar um sistema self service, onde cada criança se serve sozinha”, diz o secretário.

Outro ponto fundamental foi a capacitação dos funcionários e nutricionistas das unidades. “As merendeiras, por exemplo, participam de cursos e aprendem formas criativas de oferecer um mesmo alimento, além de servir a refeição com um bonito visual”, acrescenta José Marcos dos Santos. Para evitar tentações como minipizza, pão de queijo, coxinha, empada e refrigerantes, muitas escolas públicas, como as de Taboão da Serra, baniram a cantina onde o aluno poderia comprar o lanche.

A mãe de Mariane e Matheus, Juliana Nogueira, agradece a iniciativa. “Meus filhos sempre se alimentaram bem, mas os salgadinhos estavam virando rotina. Com a mudança, estão comendo muito melhor e até melhorando o desempenho escolar”, diz.

Com a palavra: Jamie Oliver 

Muito mais que um respeitável chef de cozinha, o inglês Jamie Oliver, de 37 anos, é também um formador de opinião. Conhecido mundialmente por seus livros e programas de televisão, recentemente iniciou a campanha contra o uso de comida processada em escolas públicas, conhecida como “Revolução Alimentar” ou Food Revolution, em inglês.

Divulgou também o que estava por trás dos hambúrgueres servidos em escolas e famosas redes de fast-food: a “meleca rosa”, pink slime em inglês, que consistia na mistura de carne processada e vários outros produtos químicos, incluindo até amônia. Oliver conversou com exclusividade com a Profissão Mestre e mostra algumas dicas de como a sociedade pode ser agente da própria mudança.

Profissão Mestre: Qual é o principal obstáculo para que escolas (principalmente públicas) adotem escolhas mais saudáveis na merenda escolar? Essa iniciativa é onerosa?

Jamie Oliver: Essa mudança não precisa ser necessariamente cara. Mas acredito que a principal dificuldade é, geralmente, o administrador escolar local não enxergar a saúde e a nutrição da criança como uma prioridade. Se a escola tiver alguém com um pouco de visão e consciência sobre a alimentação escolar, isso já pode ser visto como um bônus.

Profissão Mestre: Por que em alguns casos essa dificuldade é tão difícil de ser superada?

Jamie Oliver: Acho que isso acontece pelo fato de que a merenda é um dos últimos itens na lista de prioridade do departamento de ensino. A mesma situação acontece no Reino Unido, porque o foco é sempre o lado acadêmico, conquistar boas pontuações em testes e tudo o mais. A questão é que ninguém nunca morreu por não fazer a lição de casa de Matemática... No entanto, vemos crianças nas escolas comendo muito mal e saindo da escola com problemas de peso e distúrbios alimentares, o que é cada vez mais comum.

Profissão Mestre:Para mudar essa situação, quem tem mais poder: a indústria de alimentos ou a comunidade?

Jamie Oliver: O poder da população é sempre importante. Olha o que aconteceu com o pink slime! Mas as ações têm que partir dos indivíduos para que o assunto se mantenha como prioridade.
Profissão Mestre: No geral, qual é a merenda escolar ideal?
Jamie Oliver: Bom, em primeiro lugar, ela precisa ser deliciosa e atrativa para que as crianças se alimentem. Mas é necessário que seja também saudável. Um bom equilíbrio seria uma porção de proteína, carboidrato, muitos vegetais com vitaminas e bons nutrientes, suficientes para o corpo em constante crescimento.

Para mais informações, acesse: http://www.jamieoliver.com/

Veja agora uma reportagem sobre os hábitos alimentares.



Fonte: http://www.profissaomestre.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário